José Silva
serigrafia
54,5x45 cm
150,00€
ESCUTAMOS O PORTO
Escutamos o Porto: os passos dados sobre as lajes; vozes
soltas, feridas; falas num português perdido.
Descemos da Sé para a Ribeira. Essas mulheres que gritam
estão vivendo entre pedras ainda. Caminhamos no lixo. Vamos atentos à solidão
das pedras, à forma destas casas que deveriam estar apodrecidas. A redução da
luz conserva as suas tintas, embora mortas, vivas. Cores indecifráveis,
vermelhos espessos, obscurecidos. Amparam cheiros fétidos, penumbras. E o rio
resume tudo isto: mulheres lavam na água destruída: roupa, sabão e cascas de
laranja; em torno, a água grande, verde e íntima.
Água estreita, granito, como a Vila. Na Rua de Cimo de Vila
começamos o caminho de Domingos Peres das Eiras. É esse o nome, o verdadeiro
nome de Eugénio de Andrade? Que nos conduz na sordidez e no esplendor da Vila.
Tu duca, tu segnore, e tu maestro.
Sem culto, a Igreja de São Francisco é uma gruta de talha
onde se deslocam aves, as mesmas que Eugénio de Andrade vê junto ao cais, sobre
barcaças negras. Depois, aquele muro branco, dele e de José Rodrigues, diverso
dos muros brancos do Sul, escuro, parede de uma rua onde vozes de crianças -
tão exteriores ou interiores a nós, que são repentinamente as de William Blake
- jogam.
E ao teu encontro vem/ a grande ponte sobre o rio.
O frio sobe do Douro, a cidade expõe as suas luzes.
Escutamo-nos.
Gastão Cruz
in: “Ao Porto” Colectânea de Poesia sobre o Porto
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