Paulo Vilas Boas
serigrafia
44,5x28 cm
250,00€
Visto
da margem sul do rio o porto não explode
sob
a tarde de verão. a água reflecte
renques
de casario humilde a encastelar-se
irregular
em ocres e granito, manchas, vãos, recatos.
é
quando os jacarandás se fazem desse azul mais surdo
do
anoitecer e concentram uma ameaça do tempo
contida
nas cores tensas das fachadas, a entrecortar
os
jardins do crepúsculo aprendidos de cor.
além
umas arcadas, um cais, o traço grosso a carvão
dos
encaixes da ponte armada em ferro, a muralha,
o
deslizar da luz para poente, tudo
uma
dramática placidez escurecendo a ribeira, um vidrado
de
presenças esquecidas, palhetas de ouro fosco sobre as barcaças
abandonadas,
quase ao alcance da mão, da voz, da alma, é quando
a
música há-de vir, lentamente elaborada na memória,
como
um sopro da infância e do indizível do mundo.
são
estes sons de nada, estes voos que perpassam,
estas
estrias da sombra de ninguém
sobre
io curso do rio, como nuvens para esta hora, a
encrespar-lhes
de leve a superfície.
enquanto
parte algum comboio atrasado,
um
avião se esvai ao longe, os escritórios fecham,
quero
um barco pequeno para a minha travessia,
para
a minha chegada e para a minha partida,
para
andar entre as margens ou seguir a corrente
até
s. joão da foz ver as últimas gaivotas
ainda
antes da noite, respirar um não sei quê que se desprende
da
travessia, a atravessar-me,
halo
vindo das camélias, perfume de penumbras
se
mulher, ou para sempre e para nunca mais
um
pó da lua na cantareira e na afurada
devagar
a acender-se mais rente ao coração.
Vasco Graça Moura, Poesias 1997/2000
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